Talvez por haver nascido e crescido na tórrida Sorocaba, demorei a prestar atenção na sucessão das estações, afinal, nos trópicos as estações não são muito distintas entre si. Ainda assim, havia alguns eventos anuais muito esperados – ansiáva por agosto munida de varetas de bambu, linha e papel de seda; começavam os ventos e o ceu se enchia de pipas coloridas. Depois tinha a floração de um jacarandá-mimoso num quintal no caminho da escola, os pequenos trompetes formavam uma massa roxa-azulada que, em contraste com as telhas da cobertura da casa, o branco do muro e o azul do ceu, compelia-me a ficar por ali um pouco, ao pé do muro na calçada oposta remoendo aquela expressão de beleza do mundo. Também havia a época de pular muros e chupar mangas às escondidas, de tomar banhos de chuva, de brincar na rua até tarde, de ouvir as histórias do meu avô, de cantar com a família. Sentia que havia um encadeamento anual das coisas, mas se alguém dizia ó, é primavera, não me comovia.
Qual não foi o meu espanto ao tomar conhecimento dos calendários na
China antiga. Sem marcos astronômicos, como o equinócio de primavera que na
nossa folhinha nos diz quando começa a estação das flores, os calendários eram
feitos de adágios, como “os hibernantes começam a se mexer”. Assim, através da
observação dos sinais da natureza o camponês (natureza também) sabia que era
hora de sair da reclusão do inverno e ir aos campos lavrar a terra. Mais tarde
as noções de astronomia foram incorporadas ao calendário e essas observações
dos camponeses – provérbios ricos em poesia, mitologia e simbologia, além de
serem imprescindíveis para a organização social – não foram descartadas, mas distribuídas
ao longo do ano estipulado pelos referenciais celestes. Mitologia: a
transmutação cíclica, os seres possuiam morfologia dupla que se apresentava
conforme a estação: como as andorinhas, que cuja aparição no ceu foi associada pelos
sábios ao equinócio de primavera, no inverno refugiavam-se no mundo subaquático
em forma de molusco! E o que faziam as pessoas? Na estação morta – o inverno –
os camponeses se reuniam em assembleias e cantavam os sinais que a natureza
ofertara durante o ano com a intenção de impelir a repetição da abundância desses
sinais e garantir a renovação do ciclo anual. Os equinócios? São os momentos do
ano de extrema delicadeza nos quais o Yin e o Yang estão em equilíbrio absoluto
(a duração da noite é igual à duração do dia); em seguida um começa a
preponderar sobre o outro – a partir do equinócio de primavera, os dias ficam
mais longos, o Yang prevalece e atinge seu pico no solstício de verão, quando
começa a decair até o equinócio de outono, início da predominância do Yin.
Encantei-me com isso tudo porque ainda cultivo esse hábito de desejar
os sinais do ano da passagem do tempo; como esperava o jacarandá em flor no
caminho da escola, fico tranquila quando por aqui florescem na mesma época
outros jacarandás. Enfim, é primavera quando sob a pitangueira o zum-zum das
abelhas: atenção às flores; quando a copa da ameixeira se transmuta numa nuvem
de borboletas; quando minhas pequenas dançam à sombra do arvoredo e as convido
para o bolo saído do forno. Já fui a criança, transmutei-me na mãe. Tantas
primaveras já vividas.