terça-feira, 10 de outubro de 2017

ACUPUNTURA PARA GESTANTES?

tenho atendido às gestantes, como dentista, desde a época da minha graduação e ainda hoje escuto relatos de mulheres a quem foi negado até procedimentos odontológicos relativamente simples para aliviar suas dores por estarem grávidas – nossa, é muito arriscado realizar procedimentos odontológicos em mulheres grávidas. só que não. não é arriscado, desde que se conheça a fisiologia da gestação, desde que se saiba quais fármacos são seguros nas distintas fases da gestação: há medicamentos que não podem ser usados no fim da gestação, há outros que o risco ocorre primeiro trimestre... arriscado é não tratar uma infecção bucal numa gestante ou mantê-la sob o estresse bioquímico duma odontalgia! na acupuntura... não é diferente! ainda há muita insegurança no atendimento das grávidas e isso se deve à falta de conhecimento sobre o assunto.

pouco tempo depois da conclusão da especialização em acupuntura passei a atender uma paciente que sofrera um aborto. ela estava com dores no peito (opressão torácica), dificuldade para dormir, palpitação cardíaca no meio da madrugada. resolvida essa sintomatologia de origem emocional, começamos a trabalhar sua fertilidade, a paciente desejava engravidar o quanto antes e... engravidou! pude acompanhar praticamente toda a sua gestação. obviamente precisei estudar, para cada acuponto que escolhia para tratar a paciente consultava literatura para saber se havia algum risco. as graças que recebo costumam vir aos pares e a paciente gestante me indicou uma amiga: gestação de risco devido a uma insuficiência do istmo cervical. além do repouso absoluto, ela havia recebido uma sutura e um anel de borracha no colo do útero para segurar o feto. por estar acamada, frequentemente tinha dores cervicais e lombares; além disso, eu cuidava da sua tensão emocional e das queixas que apresentava a cada sessão, obstipação intestinal, fraqueza muscular, impaciência, insônia etc.

enfim, o atendimento da gestante é igual ao dos demais pacientes, exceto por alguns cuidados peculiares a essa condição. os cuidados necessários variam com o momento da gestação, que incluem da seleção de pontos que não prejudiquem o curso da gestação à escolha de uma posição confortável para a gestante receber melhor o atendimento. um exemplo, a escolha de pontos na região abdominal é arriscada quando o ventre da gestante já está volumoso, mas no primeiro trimestre não apresenta maiores riscos. por outro lado é melhor evitar do início às últimas semanas gestação os pontos que promovem ou facilitam o parto, como o VB21 ou o B67.  no entanto, se passou da 32a semana e o bebê ainda não está posicionado com a cabeça para baixo, a moxabustão no B67 é bem indicada para a reversão da posição fetal.


claro que temos de tomar cuidado com as generalizações: nem toda gestante tem enjoos matinais ou edema de membros inferiores. ou ainda, a mesma mulher grávida pode ser muito tranquila e na sessão seguinte estar ansiosa! assim, não há receita de bolo para o atendimento da gestante (ou de qualquer paciente, diga-se). a saúde da gestante está ligada aos desafios que seu ambiente apresenta, às suas emoções, à sua estrutura física. acredito que a acupuntura pode trazer muitos benefícios às pacientes grávidas e, em comparação ao tratamento alopático convencional, é livre de efeitos colaterais. exemplifico: hoje se sabe que insônia na gestação pode levar ao parto prematuro. qual seria o impacto, na saúde do bebê, do uso de indutores do sono pela gestante? será que vale a pena arriscar? melhor tratar com acupuntura!

sábado, 23 de setembro de 2017

Primaveras




Talvez por haver nascido e crescido na tórrida Sorocaba, demorei a prestar atenção na sucessão das estações, afinal, nos trópicos as estações não são muito distintas entre si. Ainda assim, havia alguns eventos anuais muito esperados – ansiáva por agosto munida de varetas de bambu, linha e papel de seda; começavam os ventos e o ceu se enchia de pipas coloridas. Depois tinha a floração de um jacarandá-mimoso num quintal no caminho da escola, os pequenos trompetes formavam uma massa roxa-azulada que, em contraste com as telhas da cobertura da casa, o branco do muro e o azul do ceu, compelia-me a ficar por ali um pouco, ao pé do muro na calçada oposta remoendo aquela expressão de beleza do mundo. Também havia a época de pular muros e chupar mangas às escondidas, de tomar banhos de chuva, de brincar na rua até tarde, de ouvir as histórias do meu avô, de cantar com a família. Sentia que havia um encadeamento anual das coisas, mas se alguém dizia ó, é primavera, não me comovia.

Qual não foi o meu espanto ao tomar conhecimento dos calendários na China antiga. Sem marcos astronômicos, como o equinócio de primavera que na nossa folhinha nos diz quando começa a estação das flores, os calendários eram feitos de adágios, como “os hibernantes começam a se mexer”. Assim, através da observação dos sinais da natureza o camponês (natureza também) sabia que era hora de sair da reclusão do inverno e ir aos campos lavrar a terra. Mais tarde as noções de astronomia foram incorporadas ao calendário e essas observações dos camponeses – provérbios ricos em poesia, mitologia e simbologia, além de serem imprescindíveis para a organização social – não foram descartadas, mas distribuídas ao longo do ano estipulado pelos referenciais celestes. Mitologia: a transmutação cíclica, os seres possuiam morfologia dupla que se apresentava conforme a estação: como as andorinhas, que cuja aparição no ceu foi associada pelos sábios ao equinócio de primavera, no inverno refugiavam-se no mundo subaquático em forma de molusco! E o que faziam as pessoas? Na estação morta – o inverno – os camponeses se reuniam em assembleias e cantavam os sinais que a natureza ofertara durante o ano com a intenção de impelir a repetição da abundância desses sinais e garantir a renovação do ciclo anual. Os equinócios? São os momentos do ano de extrema delicadeza nos quais o Yin e o Yang estão em equilíbrio absoluto (a duração da noite é igual à duração do dia); em seguida um começa a preponderar sobre o outro – a partir do equinócio de primavera, os dias ficam mais longos, o Yang prevalece e atinge seu pico no solstício de verão, quando começa a decair até o equinócio de outono, início da predominância do Yin.

Encantei-me com isso tudo porque ainda cultivo esse hábito de desejar os sinais do ano da passagem do tempo; como esperava o jacarandá em flor no caminho da escola, fico tranquila quando por aqui florescem na mesma época outros jacarandás. Enfim, é primavera quando sob a pitangueira o zum-zum das abelhas: atenção às flores; quando a copa da ameixeira se transmuta numa nuvem de borboletas; quando minhas pequenas dançam à sombra do arvoredo e as convido para o bolo saído do forno. Já fui a criança, transmutei-me na mãe. Tantas primaveras já vividas.

domingo, 2 de julho de 2017

acupuntura no ocidente

até os anos 70 a acupuntura era considerada como curiosidade cultural, por 5000 anos os conhecimentos relacionados a ela estiveram isolados do ocidente. no Brasil, a técnica fora trazida pelos imigrantes japoneses no início do século XX, sua prática estava restrita à esfera familiar e era considerada como esoterismo. 

em 1971, o então presidente dos EUA, o Nixon, visitou a China, ocasião na qual um jornalista de sua comitiva experimentou a acupuntura em uma apendicectomia e descreveu a sua experiência num artigo no New York Times; deflagrou-se uma onda de interesse sobre a acupuntura no ocidente, incluindo-se a condução de experimentos para a compreensão dos seus mecanismos de ação e de estudos clínicos com a finalidade de verificar a sua eficácia no tratamento de distintos problemas de saúde, com metodologia própria da ciência ocidental. claro que aí há alguns percalços: a acupuntura é uma técnica terapêutica própria da medicina tradicional chinesa, cujos conceitos de caráter holista dificultam a aplicação dos critérios metodológicos próprios da ciência ocidental.

atualmente a prática da acupuntura está amplamente difundida no ocidente e as evidências científicas da sua efetividade crescem dia a dia. claro que ainda há muito para se pesquisar, mas o bem estar relatado pelos pacientes que se submetem ao tratamento com acupuntura é suficiente para que se recomende: procure um acupunturista!

domingo, 18 de junho de 2017

dispersar o frio

upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f8/Bansho-myohoshu-1853-Moxibustion.jpg



na Medicina Tradicional Chinesa (MTC) somos parte integrante da natureza e nossa saúde é diretamente afetada pelas condições do ambiente e, em consequência, pelas características de cada estação do ano. no inverno as dores musculares e articulares tornam-se mais comuns e tendem a se agravar.
a moxabustão consiste numa técnica não invasiva em que se aplica o calor que resulta da queima da artemísia - uma erva com inúmeras propriedades terapeuticas, que até rendeu um Nobel em 2015! o calor  da proveniente da moxabustão  alivia dores, elimina a umidade (edema), aquece o frio e promove a circulação sanguínea.
há registros da prática de moxabustão que datam da Dinastia Han (221aC - 264dC), anteriores mesmo aos primeiros registros da acupuntura. as técnicas de aplicação da moxa podem ser direta, originando o haitô - denominação da cicatriz formada pela queima da lã de moxa na pele - ou indiretas, sem queimadura da pele.
o alívio das dores é imediato, mas a moxabustão tem outros efeitos interessantes: fortalecer o coração, desintoxicar, interromper vômito, fortalecer o sistema imunológico, clarear a mente. 
e, enfim, desde que aprendemos a lidar com o fogo, aquecer-se no inverno é sempre um prazer.

quarta-feira, 15 de março de 2017

resultado

fico numa expectativa enorme para saber o resultado de um atendimento. desde o início da carreira como dentista, atendia um paciente e ficava pensando como estaria se desenrolando o pós operatório: será que está sem dor? e edema? 
agora como acupunturista... no es lo mismo, pero es igual.
primeiro havia a preocupação se o tratamento surtira efeito, simplesmente entre um sim ou um não. não duvidava da acupuntura em si, mas da minha própria habilidade.
agora, apesar da certeza da melhora do paciente após meu atendimento, restam ainda algumas questões: quanto melhorou meu paciente? ele poderia ter melhorado mais? quanto tempo durou essa melhora?
tenho buscado ferramentas para aplicar nos pacientes e avaliar os resultados pós-atendimentos - escala de dor e de ansiedade, por enquanto - a fim de procurar saber qual escolha terapêutica funciona melhor para cada paciente meu, conforme a sua queixa principal. penso que isso resultará não apenas no meu aperfeiçoamento como acupunturista, mas também pode levar o paciente a perceber e a aprender a dimensionar sua própria condição.

links sobre escalas de dor e de ansiedade:
http://www.saudeemmovimento.com.br/conteudos/conteudo_exibe1.asp?cod_noticia=39
http://fmb.unesp.br/Home/Departamentos/Neurologia,PsicologiaePsiquiatria/ViverBem/had_com_escore.pdf

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

câncer

mas, você trata o câncer com acupuntura? 
o câncer, não. trato a pessoa com câncer, conforme as necessidades dela e o estágio de evolução da doença: é possível trabalhar os seus aspectos emocionais desde o diagnóstico e torná-la mais forte para lidar com o problema, é possível minimizar os efeitos colaterais da quimioterapia, é possível mitigar a dor, além de poder lidar com aspectos específicos dos diferentes tipos de câncer nos órgãos acometidos (dispneia no câncer de pulmão, por exemplo). 
acupuntura para uma pessoa com câncer é melhoria na sua qualidade de vida.

veja revisão sistemática de 2013 sobre o assunto: http://jco.ascopubs.org/content/31/7/952.short

quarta-feira, 13 de julho de 2016

fitoterapia chinesa com plantas brasileiras

a fitoterapia é uma ferramenta valiosa nos tratamentos em medicina tradicional chinesa e pode ser associada às outras técnicas terapêuticas. os remédios chineses, além das plantas, contam com produtos de origem mineral e animal - e são resultado dum uso durante milhares de anos em diversas regiões da China. para os problemas mais comuns,  existem pílulas prontas que combinam os remédios nas proporções específicas para cada problema. 

há certa dificuldade para a obtenção desses remédios prontos - do problema do alto custo, aos entraves da importação e à necessidade de controle de qualidade pela nossa vigilância sanitária - que em 2014 estabeleceu que os remédios com produtos de origem animal não terão a liberação de sua comercialização no Brasil.

o Brasil, por sua vez, é riquíssimo em diversidade biológica e temos disponível uma enorme gama plantas com propriedades terapêuticas já bem conhecidas e classificadas conforme os princípios próprios da medicina tradicional chinesa (MTC). 

exemplo? o capim limão, que aqui usamos como calmante e para baixar a febre (entre outros usos) em MTC tem propriedade picante e amornante e entre seus  efeitos terapêuticos está descrito que ele induz a sudorese e elimina vento frio, sendo bem indicado para febre baixa, calafrio, tosse e expectoração. 

voilà! é perfeitamente possível nos valermos de nossos próprios remédios num tratamento baseado nos princípios da MTC. esse uso das plantas brasileiras pode até favorecer a adesão do paciente ao tratamento fitoterápico, uma vez que trabalharíamos em conformidade com a cultura do paciente. 

há ainda a possibilidade de evocarmos nos pacientes memórias de cuidados e carinhos: num febrão na minha infância, lembro dum suadouro que minha vó me deu, um chá quente adoçado com mel. será que era capim limão? nos despertares do meu sono delirante, sentia-me confortada: vê-la sentadinha ao lado da minha cama, saber que deixara o serviço doméstico para outra hora, seus olhos atentos e que, hoje percebo, emanavam uma sabedoria do cuidado. (se uma lembrança dessas interfere no processo de cura? vai saber...)